Quem são as (poucas) mulheres que batizaram crateras da Lua

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    G1 

    A Lua tem milhares de crateras, mas você sabia que algumas delas têm nomes de pessoas?

    Algumas dessas crateras lunares (1.577) receberam o nome de ilustres cientistas, engenheiros e exploradores… mas apenas 31 delas homenageiam mulheres reais.

    Quem são essas mulheres e por que há tão poucas homenageadas?

    Quem tem uma cratera com seu nome

     

    A maioria das crateras lunares tem o nome de cientistas, mas uma exceção foi feita para o músico John Lennon — Foto: Getty Images via BBC

    A maioria das crateras lunares tem o nome de cientistas, mas uma exceção foi feita para o músico John Lennon — Foto: Getty Images via BBC

    A maioria das crateras têm o nome de pioneiros da vida real, como cientistas e pensadores — mas também existem crateras com nomes de deuses e deusas, bem como de criaturas mitológicas.

    O filósofo Platão, o astrônomo Galileu Galilei e o matemático Isaac Newton são alguns dos notáveis imortalizados com uma cratera cada.

    Até mesmo o músico John Lennon ganhou sua própria cratera, na área conhecida como Lacus Somniorum ou “Lago dos Sonhos”, no lado da Lua que é sempre visível da Terra.

     

    Mas você terá que conduzir pesquisas exaustivas antes de encontrar uma mulher homenageada dessa forma. Menos de 2% das crateras lunares têm o nome de mulheres cientistas.

    E mais, quase todas as crateras “femininas” estão localizadas do outro lado da Lua, fora da vista da Terra.

    Quem escolhe os nomes?

     

    Platão e Isaac Newton também têm crateras na Lua com seus nomes — Foto: Getty Images via BBC

    Platão e Isaac Newton também têm crateras na Lua com seus nomes — Foto: Getty Images via BBC

    “A União Astronômica Internacional (IAU, na sigla em inglês) detém a responsabilidade de aprovar nomes de coisas astronômicas desde 1919; mas alguns dos nomes na Lua remontam aos tempos não muito depois de Galileu Galilei ter feito seus maravilhosos desenhos das características lunares que ele viu através seu telescópio [em 1610]”, diz Megan Donahue, presidente da American Astronomical Society.

    “Em 1651, o astrônomo italiano Giovanni Riccioli foi a primeira pessoa a começar a nomear locais na Lua”, explica Tayyaba Zafar, astrônomo do Paquistão que é professor sênior do centro de pesquisa Australian Astronomical Optics.

    “Riccioli deu o seu próprio nome a uma cratera, mas, das 147 que ele batizou em homenagem a humanos, apenas duas foram nomeadas em homenagem a mulheres, e uma dessas mulheres pode nunca ter existido: Hipácia era real, mas Santa Catarina de Alexandria talvez não.”

    Nos séculos que se seguiram, as crateras foram nomeadas à medida que foram descobertas, principalmente celebrando o trabalho de cientistas e figuras históricas do sexo masculino, porque “as mulheres eram muitas vezes impedidas de ter educação formal na época”, diz Zafar.

    Às vezes, manter registros de quem foi homenageado na Lua fica confuso, e os números parecem conflitantes.

    Na verdade, se você olhar um atlas lunar, encontrará 1.608 crateras batizadas no total, mas “apenas 1.577 têm nomes de pessoas reais. E embora 38 nomes femininos para pequenas crateras de interesse especial, há 31 crateras lunares com nomes de mulheres cientistas, engenheiras ou exploradoras“, de acordo com a IAU.

    Por que tão poucos nomes de mulheres?

     

    Giovanni Riccioli, que conseguiu garantir uma cratera para si e 144 para outros homens, só encontrou duas mulheres dignas da homenagem (e uma delas pode nem ser real) — Foto: Getty Images via BBC

    Giovanni Riccioli, que conseguiu garantir uma cratera para si e 144 para outros homens, só encontrou duas mulheres dignas da homenagem (e uma delas pode nem ser real) — Foto: Getty Images via BBC

    O século 20 trouxe um frenesi lunar que atingiu seu pico entre o final dos anos 1950 e o início dos anos 1970 (com os Estados Unidos e a União Soviética competindo para ser o primeiro a chegar à Lua).

    “Havia um pouco de caos na nomenclatura de locais na Lua, então, em 1973 a União Astronômica Internacional criou um comitê para trazer um pouco de ordem”, disse a astrônoma Rita Schulz, da IAU.

    Foi decidido que os locais só seriam nomeados se houvesse uma necessidade científica para fazê-lo.

    “Os nomes antigos seriam mantidos, mas, a partir de então, para colocar seu nome na Lua, você tinha que ser um cientista ou explorador, e você tinha que estar morto”, diz Schulz.

     

    Outra coisa aconteceu, o que explica em parte por que a diferença de gênero na superfície lunar perdurou: “Originalmente, a IAU decidiu que as características da Lua teriam o nome de homens, e as de Vênus teriam o nome de mulheres”, acrescenta Schulz.

    Esta última decisão não existe mais, mas a desigualdade sim: “Nos últimos 30 anos, apenas sete crateras foram batizadas com nomes de mulheres. Quando a IAU foi fundada, menos de 2% das crateras tinham nomes de mulheres. Um século depois, o índice permanece o mesmo“, diz Zafar.

    Por que isso importa?

     

    A União Soviética foi a primeira a chegar à Lua em 1959, mas os EUA enviaram a primeira missão tripulada — Foto: Getty Images via BBC

    A União Soviética foi a primeira a chegar à Lua em 1959, mas os EUA enviaram a primeira missão tripulada — Foto: Getty Images via BBC

    Então, realmente importa se tão poucas mulheres têm uma cratera na Lua com o nome delas?

    “Claro!”, diz Maritza Soto Vasquez, astrônoma chilena que aos 25 anos descobriu seu primeiro planeta e, aos 31, acaba de descobrir o quarto.

    “Se queremos que mais mulheres se envolvam na ciência, a visibilidade talvez seja um dos fatores mais importantes. Quando as meninas pensam sobre o que querem estudar, elas precisam ver modelos que se parecem com elas.”

     

    A Lua é considerada feminina em muitas culturas e idiomas — Foto: Getty Images via BBC

    A Lua é considerada feminina em muitas culturas e idiomas — Foto: Getty Images via BBC

    Soto Vasquez está atualmente realizando pesquisas de pós-doutorado na Queen Mary University de Londres, no Reino Unido, e tem uma forte opinião sobre as mulheres na ciência.

    “Pode não haver uma pessoa dizendo a elas ‘Você não pode ser um cientista porque você é uma mulher’, mas há muitas pequenas mensagens que podem deixar uma forte impressão quando você é jovem, como querer estudar ciências na escola, mas não ver outras mulheres nas aulas ou nos livros didáticos”, acrescenta.

     

    Vicky Chu, da Organização Espacial Nacional de Taiwan, também gostaria de ver mais mulheres na superfície lunar e concorda que a visibilidade ajudaria a atrair mais mulheres para o estudo das ciências: “Com certeza ajuda, especialmente para estudantes do ensino médio e superior”.

    “O reconhecimento tem um efeito cascata”, diz Zafar. “A comunidade científica precisa reconhecer as mulheres para dar o exemplo para a sociedade e promover um ambiente de trabalho inclusivo, solidário e flexível.”

    A agência espacial norte-americana, a Nasa, anunciou recentemente seus planos de retornar à Lua em 2024 e, desta vez, enviará uma mulher, além de um homem, no primeiro pouso com humanos desde 1972.

    Vamos celebrar algumas das mulheres que têm uma cratera com seu nome…

     

    'Eu realizei meu sonho de infância' — Foto: Getty Images via BBC

    ‘Eu realizei meu sonho de infância’ — Foto: Getty Images via BBC

    Valentina Tereshkova (nascida em março de 1937)

     

    “Na Terra, homens e mulheres correm os mesmos riscos. Por que não deveríamos correr os mesmos riscos no espaço?”, disse a cosmonauta russa Valentina Tereshkova, a única mulher viva a ter uma cratera lunar com o seu nome por sua contribuição excepcional para a ciência.

     

    Em 1963, Tereshkova fez história ao se tornar a primeira mulher a ir para o espaço. Ela continua a ser a única mulher a fazer isso sozinha, e a mais jovem (ela tinha 26 anos na época).

    Depois, ela refletiu: “Uma vez que você está no espaço, você percebe como a Terra é pequena e frágil”.

    Durante sua missão a bordo da cápsula espacial Vostok 6, Tereshkova passou quase três dias orbitando a Terra.

    “Qualquer pessoa que já passou algum tempo no espaço vai adorar fazer isso para o resto de suas vidas”, disse ela.

     

    Tereshkova estava ansiosa para cumprir outra missão, mas aquela foi sua primeira e única. Mais tarde, ele diria: “Depois de uma vez no espaço, queria muito voltar para lá. Mas não aconteceu”.

    Em vez disso, Tereshkova viajou pelo mundo como embaixadora da ciência soviética e, mais tarde, tornou-se política.

    “Não se pode negar o grande papel que as mulheres têm desempenhado na comunidade mundial. Minha missão foi mais um impulso para dar continuidade a esta contribuição feminina”, disse ela.

     

    Sua cratera fica do outro lado da Lua, na margem oeste do Mare Moscoviense.

    Hipácia (morreu em 415 d.C.)

     

    Hipácia foi uma mulher culta que caiu em desgraça com a autoridade religiosa de Alexandria — Foto: Getty Images via BBC

    Hipácia foi uma mulher culta que caiu em desgraça com a autoridade religiosa de Alexandria — Foto: Getty Images via BBC

    Hipácia foi uma matemática, astrônoma e filósofa que nasceu entre 350 e 370 d.C. em Alexandria, quando o Egito era uma província do Império Romano Oriental.

    Ela é considerada a primeira mulher na história conhecida a se dedicar profissionalmente à ciência, embora a maioria das mulheres de sua época não tivesse acesso à educação.

    Seu pai, Theon, um astrônomo e diretor da famosa Biblioteca de Alexandria, garantiu que ela aprendesse com os melhores.

    Embora a maior parte do trabalho científico de Hipácia tenha se perdido, os estudiosos modernos acham que deve ter sido significativo porque foi amplamente comentado por outros autores.

    Sabemos que ela escreveu para o Cânone Astronômico (um tratado de astronomia) várias tabelas astronômicas e comentários sobre textos clássicos.

     

    Mas Hipácia teve um fim trágico quando se desentendeu com o bispo de Alexandria e, como resultado, foi assassinada por uma multidão de cristãos.

    Quase 2 mil anos depois, a figura de Hipácia tornou-se um ícone dos direitos das mulheres e uma fonte de inspiração para o movimento feminista.

    Riccioli deu o primeiro nome a uma cratera em sua homenagem em 1651, mas em 1973 o IAU mudou o nome de Hipácia para outra cratera menor a sudoeste do Mar da Tranquilidade.

     

    Ainda é uma das poucas crateras “femininas” no lado terrestre da Lua.

    Antonia Caetana de Paiva Pereira Maury (1866 -1952)

     

    Antonia Maury na vida adulta — Foto: HARVARD COLLEGE OBSERVATORY

    Antonia Maury na vida adulta — Foto: HARVARD COLLEGE OBSERVATORY

    Antonia Caetana de Paiva Pereira Maury, também conhecida simplesmente como Antonia Maury, foi uma astrônoma americana e uma das melhores de sua geração.

    Ela fazia parte do “Harvard Computers”, um grupo de mulheres astrônomas e “computadores humanos” no Harvard College Observatory.

    Maury foi a primeira pessoa a estudar os binários espectrais, nome dado a um par de estrelas que estão tão próximas umas das outras que, da Terra, não podem ser distinguidas a olho nu.

     

    Ela também criou um sistema para medir o espectro de radiação eletromagnética das estrelas, que ainda está em uso pela IAU até hoje.

    Embora Antonia Maury tenha nascido em Nova York, ela foi batizada em homenagem a sua avó materna, filha de um médico da corte portuguesa que fugiu para o Brasil para evitar as Guerras Napoleônicas.

    Após sua morte, aos 86 anos, a IAU deu o nome de Maury a uma cratera próxima ao Lago dos Sonhos (Lacus Somniorum).

    Kalpana Chawla (1962 – 2003)

     

    Kalpana Chawla foi a primeira mulher indiana a ir para o espaço — Foto: Getty Images via BBC

    Kalpana Chawla foi a primeira mulher indiana a ir para o espaço — Foto: Getty Images via BBC

    “O caminho dos sonhos para o sucesso existe. Que você tenha a visão para encontrá-lo, a coragem para segui-lo e a perseverança para persegui-lo”, disse Kalpana Chawla, a primeira mulher indiana a ir para o espaço.

    Chawla, ou “Montu”, como sua família a chamava, desde jovem foi fascinada por voar. Sua família diz que, quando ela tinha 3 anos, ela escolheu o nome Kalpana, que significa “imaginação” como seu nome.

    Ela foi uma das primeiras mulheres a se formar em engenharia aeronáutica pelo Punjab Engineering College e, em 1982, mudou-se para os Estados Unidos para estudar dois mestrados, um doutorado em engenharia aeroespacial… e ingressou na Nasa.

     

    Seu primeiro vôo como astronauta e engenheira foi no ônibus espacial Columbia em 1997, como operadora de braço robótico.

    Em 2003, Chawla foi uma dos sete membros da tripulação que morreram no desastre do ônibus espacial Columbia, quando a espaçonave se desintegrou durante sua reentrada na atmosfera terrestre.

     

    Sua cratera, localizada do outro lado da Lua, está próxima à cratera L. Clark, nome de seu companheiro astronauta que morreu na mesma missão.

    Annie Jean Easley (1933 – 2011)

     

    Annie Jean Easley teve uma educação segregada e fez campanha contra a discriminação de raça, gênero e idade — Foto: Getty Images via BBC

    Annie Jean Easley teve uma educação segregada e fez campanha contra a discriminação de raça, gênero e idade — Foto: Getty Images via BBC

    Em 1º de fevereiro de 2021, Annie Jean Easley se tornou a mulher mais recente a ter uma cratera com o seu nome.

    Easley foi um dos primeiros negros americanos a trabalhar como cientista da computação na Nasa (quando a agência ainda se chamava Naca). Ela era uma matemática que se tornou cientista de foguetes.

    Mas, quando criança, obter uma boa educação não foi fácil. Easley cresceu no sul dos Estados Unidos antes do movimento pelos direitos civis, o que significava que escolas e universidades eram segregadas.

    Sua mãe a encorajou a ser ambiciosa, mas disse que ela teria que trabalhar mais, porque as escolas para crianças negras geralmente ofereciam uma educação mais precária.

     

    Durante sua carreira de 34 anos na Nasa, Easley desenvolveu códigos de computador, trabalhou em tecnologias de energia e ajudou a lançar as bases tecnológicas para futuros lançamentos de ônibus espaciais.

    Ao longo de sua vida, Easley fez campanha para que estudantes do sexo feminino e de minorias seguissem carreiras em ciência, tecnologia, engenharia e matemática e combateu a discriminação dentro da Nasa.

    Easley acreditava no trabalho em equipe e frequentemente expressava admiração por aqueles com quem trabalhava.

    Sua página no site da Nasa diz: “Muitos que a conheciam diriam que não foi apenas o trabalho que ela fez que fez a diferença; foram sua energia e atitude positiva que tiveram um tremendo impacto”.

     

    Easley é uma pequena cratera (com menos de 10 km de diâmetro) do outro lado da Lua.

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