Dia do orgulho hétero: uma vergonha para Cuiabá

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    Que a Câmara de Cuiabá vem sendo motivo de chacota há muitos anos, isso ninguém tem dúvida, mas na última semana ela passou de todos os limites. Com a aprovação do Projeto de Lei que cria o Dia do Orgulho Hetérossexual, os nobres parlamentares inserem na agenda política da capital um dia para celebrar o orgulho da orientação sexual que sempre foi aceitável e considerada “normal”.

    Oras, a heterossexualidade é a expectativa da vivência da sexualidade humana desde que um casal recebe a notícia de uma gravidez e inicia neste momento a construção de planos de vida para o futuro recém-nascido. Toda essa expectativa tem como finalidade que o filho ou a filha tenha a missão de construir uma família, ter e criar seus filhos, para a reprodução do ceio familiar.

    Então, corresponder a todas as expectativas da heterossexualidade faz com que uma pessoa tenha toda a sua vida social e subjetiva reconhecida por todos e em todos os contextos.

    Vejam só, um adolescente que inicia um namoro na escola tem, em sua maioria, a aprovação de seu relacionamento diante dos professores, dos colegas de sala de aula e da família. Além disso, o seu relacionamento é autorizado socialmente para a demonstração de afeto em ambiente público.

    Muito diferente, acontece com a pessoa homossexual (o gay e a lésbica). Desde os anos escolares, o homossexual convive com situações violentas de chacota, agressões físicas e até mesmo violências sexuais, além de ter a suas relações afetivas reprovadas e recusadas em quase todos os ambientes coletivos. Exatamente por isso que muitos casais gays e lésbicos se recusam em demonstrar afeto em ambiente público.

    É como costumo dizer, vivemos negociando nossa sexualidade com o “armário”, em troca de evitar o constrangimento ou até mesmo em troca da sobrevivência.

    Assim como acontecem com gays e lésbicas, acontecem com as pessoas que possuem identidade de gênero diferente do gênero esperado pelo sexo de nascimento. Eu costumo dizer que a vida da pessoa trans é bem pior, a prova disso é que a expectativa de vida de uma mulher transexual não chega na casa dos 40 anos de idade.

    Vejam bem, criar a agenda política do dia do orgulho hétero, como forma de reconhecer a heterossexualidade assim como se faz no dia do Orgulho LGBTI é mostrar uma completa ignorância da verdadeira agenda política que é o dia 17 de maio, dia do Orgulho LGBTI.

    O dia do Orgulho LGBTI surge a partir de um acontecimento num badalado e histórico bar novaiorquino nos Estados Unidos, nos anos 60.

    O acontecimento se trata de um ataque policial ao bar chamado Stonewall Inn, no qual várias pessoas LGBTI, em sua maioria transexuais e gays foram brutalmente violentados.

    A partir do ataque houve uma grande mobilização que desencadeou o surgimento, inicialmente, da Revolução de Stonewall, que ganhou forças e fez surgir as caminhadas nas ruas com pautas reivindicatórias de direitos civis.

    Ou seja, o Orgulho LGBTI surge a partir de um acontecimento histórico de violência, que marca a vida de várias, senão todas as pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Além disso, o dia do Orgulho LGBTI serve como contraponto a toda experiencia negativa com que as pessoas LGBTIs viveram.

    O Orgulho LGBTI serve para que cada lésbica, gay, travesti, transexual possa encontrar apoio entre os seus e ressignificar a dor, a rejeição e a marca da violência e celebrar o amor e a vida.

    Tudo isso que justifica o dia do Orgulho LGBTI não cabe ao dia do Orgulho Hétero. Não há sentido para um dia celebrar os privilégios. Por isso, caberá aos parlamentares comprovarem as pautas a serem reivindicadas no Dia do Orgulho Hétero.

    Caso não possam justificar a importância e relevância dessa data, fica provado que os parlamentares que votaram pela aprovação do Projeto de Lei não possuem compromisso com a capital mato-grossense, muito menos com os munícipes que hoje exigem a seriedade, honestidade e um projeto de capital que garanta saúde e educação pública e de qualidade, segurança pública, emprego e renda.

    Gabriel Henrique P. de Figueiredo é psicólogo, mestre em Psicologia Social, trabalhador do SUS/Cuiabá, presidente do Conselho Regional de Psicologia.

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