Desigualdade na Previdência Estadual

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    Em 13 de novembro de 2019, para o prejuízo de muitos, foi publicada a Emenda Constitucional 103/2019, que alterou as regras constitucionais quanto à Previdência Social.

    A Reforma não foi (ou é) de aplicação em sua totalidade aos Estados e Municípios. Parte das novas disposições, como as que dizem respeito aos requisitos para aposentadorias voluntárias, ficaram restritas aos servidores federais. Compete, pois, a cada ente promover sua própria reforma previdenciária para que as regras de aposentadoria de seus servidores sejam alteradas.

    Seguindo isso, nosso Estado de Mato Grosso editou, em 21 de agosto de 2020, a Emenda Constitucional 92/2020, pela qual, basicamente, acatou as disposições da EC 103/2019, sem grandes diferenças. Ou seja, trouxe para a seara estadual as regras constantes na reforma federal. Porém, há um ponto de desencontro entre as reformas federal e estadual, ponto esse que chama atenção: trata-se do artigo 140-E da Constituição Estadual, introduzido pela emenda.

    Tal artigo estabelece que é “assegurada a aposentadoria com fundamento nos arts. 2º, 6º e 6º-A da Emenda Constitucional Federal nº 41, de 19 de dezembro 2003 e no art. 3º da Emenda Constitucional Federal nº 47, de 5 de julho de 2005, aos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público que ingressaram na respectiva carreira até 19 de dezembro de 2003 e, na data da promulgação desta emenda, contem, cumulativamente, com pelo menos 53 (cinquenta e três) anos de idade, se homem, ou 48 (quarenta e oito) anos, se mulher, e ao menos 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem, e 30 (trinta) se mulher”.

    Não se adentrará nos pormenores dessas normativas, a fim de abreviar os comentários. Basta dizer, e isso é bem conhecido, que as regras constantes dos mencionados artigos das Emendas 41 e 47 são muito mais benéficas que as disposições gerais atualmente constantes da Constituição Estadual por força da EC-MT 92/2020.

    Vale frisar, ainda, que o artigo restringe o acesso a tais regras aos membros do Judiciário e do Ministério Público, isto é, juízes, desembargadores, promotores e procuradores de justiça. Os outros servidores desses órgãos/poderes não foram beneficiados.

    Haveria aí uma inconstitucionalidade resultante de tratamento desigual entre os servidores públicos? Aparentemente, sim.

    É curial e indiscutível que aos membros do Judiciário e do Ministério Público são devidas garantias diferenciadas a fim de garantir a independência no exercício de suas funções. Sendo difícil se estabelecer, de maneira apriorística, a qualidade e a quantidade das garantias devidas, devemos nos ater aos moldes definidos pela Constituição Federal.

    Como exposto nos artigos 95 e 128 da CF, os membros do Judiciário e do MP possuem as garantias da vitaliciedade (algo além da estabilidade geral dos servidores) e da inamovibilidade (uma defesa contra remoções/transferências de local de trabalho). Diz-se também que há a garantia da irredutibilidade dos subsídios, mas tal é atualmente concebida para todos os servidores, sem distinção.

    E quanto ao tema aqui tratado, isto é, regras diferenciadas de aposentadoria: constituiria isso uma garantia devida a esses servidores específicos? Em primeira vista, não. Se as garantias são estabelecidas em defesa da independência no exercício da função, difícil conceber como regras mais benéficas de aposentadoria auxiliaram diretamente nisso. Mas, além disso, o estabelecimento de regras diferenciadas de aposentadoria está em claro desacordo com o atual texto da Constituição Federal.

    Pelo texto original da Constituição Federal, havia, de fato, regras especiais de aposentadoria aos membros do Judiciário e do MP. Estabelecia-se a possibilidade deles se aposentarem com apenas trinta anos de serviço público e cinco no cargo, com proventos integrais.

    Mas reformas previdenciárias anteriores (Emendas 20/1998 e 45/2004) determinaram – em caminho oposto ao estabelecido pela EC-MT 92/2020 – que as aposentadorias dos magistrados e dos promotores/procuradores seguissem as regras de aposentadoria comuns a todos os servidores públicos.

    Além, disso, há regra expressa, constante do artigo 40, §4, da CF, de se vedar a adoção de requisitos ou critérios diferenciados para a concessão de benefício previdenciário. Ou seja, não há, hoje, razão jurídica que justifique o cerceamento dessa benesse a antigos membros do Judiciário e do MP.

    Ressalte-se que que não está a se criticar o cerne da disposição inserida na Constituição Estadual. Realmente, as regras de transição previstas na reforma previdenciária foram por demais duras com os servidores antigos (com ingresso anterior à 2003) que estavam a poucos anos de se aposentar, sendo comum o caso de quem recebeu de presente a necessidade de servir por mais três, quatro, cinco anos para conquistar o direito à aposentadoria com proventos integrais.

    O problema está apenas e tão somente em restringir a norma aos membros do Judiciário e do MP que, na data da promulgação da emenda, contavam, “cumulativamente, com pelo menos 53 (cinquenta e três) anos de idade, se homem, ou 48 (quarenta e oito) anos, se mulher, e ao menos 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem, e 30 (trinta) se mulher”.

    Inexistindo atribuição funcional que justifique a discrepância de regras, e sendo elogiável a determinação da aplicação de regras antigas a servidores antigos, o correto seria a aplicação dessa regra a todo e qualquer servidor público que, na data de promulgação da emenda estadual, atendesse aos critérios de idade e tempo de contribuição.

    É o que se tem como medida adequada e constitucional, afastando-se o infundado tratamento desigual e acolhendo, de igual modo, todos os servidores em igual situação.

    Saulo Niederle Pereira é advogado em Cuiabá/MT.

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