O luto da pandemia

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    A morte de um ente querido: pai, mãe, avós, irmãos, netos, marido, mulher ou outras pessoas que amamos, é um trauma, às vezes, inconsolável, desestrutura a família, a parentela e o círculo mais próximo de amigos e parentes.

    Quando ocorre a morte em que houve acompanhamento, auxílio, lágrimas e busca de ajuda para tentar vencer o mal, mesmo que irreversível, há ainda um consolo: “foi a vontade, mas, tentamos”.

    Quando se trata de morte violenta ou inesperada, a dor aumenta, por nos sentirmos incapazes de compreendê-la; “ porque logo ele/a…”. Uma morte como resultado da pandemia é ainda mais cruel, pela ausência sanitária de velório, ou, como no início da pandemia, sequer ver o corpo.

    Estas reflexões vem a propósito de estatística divulgada pelo IBGE, que divulgou o Cadastro de Registro Civil de 2020: 1.513.575 mortes ano passado, 15,95 % – cerca de 200 mil  superior ao ano anterior. Dado superior a 1984 quando se passou a contabilização anual de mortes.

    A COVID/19 contribuiu com 195.4441 óbitos; ou seja, 12,91% do total anual. É interessante observar que a região Centro Oeste é a segunda nesse triste ranking: 24.4% do total de mortes; a primeira o Norte 25,09% e, a terceira, o Nordeste, com 16,8%.

    O Norte e Nordeste até que se compreende: isolamento e estrutura de saúde na primeira e a histórica miséria e descaso do Poder Público e Político na segunda (curral eleitoral e de manutenção da ignorância) do povo; ou seja, voto para os eternos coronéis políticos.

    Cuiabá é a segunda no ranking: 41,1% o que levanta dúvida sobre o discurso político de terra do agronegócio e do bem estar de sua população e estrutura de serviços. Porto Velho, com 51% é a primeira e, pasmem: Brasília- 9º lugar; RJ- 18º e SP- 21º.  Não há erro, são dados concretos. Ontem, atingimos 613.634 mortes, frutos da pandemia.

    Qual o resultado para o Brasil: economia, educação, saúde e aspecto social?

    Aponta o estudo:

    1- demanda de serviços de saúde aumentada: cuidados mentais das sequelas, tratamentos demorados, queda nos  serviços ou renda; dentre outros. Se o SUS já não está dando conta da demanda atual, imaginemos na pós-pandemia!!!!.

    2- queda drástica de rendimentos, o que já ocorre, com o aumento do contingente  desempregados ( 15,02% da população, e de famintos (mais de 13 milhões) que, se quer, tem a esperança de uma refeição ao dia, mesmo a mais simples. Daí, a fila dos auxílios governamentais, que são “outorgados” como moeda eleitoral, sem preocupações com a real necessidade do pobre e miserável.

    O falado “Auxílio Brasil”, em votação no Senado, não tem fonte segura de financiamento e pode morrer em 2022, mas, por certo, vai cumprir sua função de alavancar a decadente popularidade do mandatário de plantão. Não há nenhum estudo técnico ou financeiro que justifique o seu valor (R$ 400,00) ou sua clientela.

    3- Queda no rendimento escolar. Crianças e adolescentes isolados, recebendo aulas remotas – para  aqueles que poderiam acompanha-las, pois, a maioria não dispõe de celular, tablet ou outra ferramenta de apoio para participar das aulas; e, quando receberam apostilas, a dificuldade caseira dos pais em ajuda-los a compreender os textos; principalmente, é claro, pais das camadas eternamente excluída das políticas públicas do Estado.

    A Secretaria de Educação de São Paulo, fez um estudo e constatou que, em alguns segmentos sociais, a recuperação do prejuízo do aprendizado pode levar de 4 a 6 anos; ou até, não ocorrer.

    Crianças das séries iniciais, que começam a voltar às aulas, tem um média de 60% de déficit de aprendizado; muitas, sequer conseguem dominar a leitura ou matemática que estavam acostumadas. Muitas, sequer conseguem ler ou escrever frases que antes dominavam; até apontar no mapa, as regiões. Sabemos, e ainda,  no Brasil, em muitas regiões, a motivação da frequência escolar é a merenda (muitas vezes, a única refeição do dia.).

    Em sumam em muitas escolas paulistas, em aulas de educação física, tem se constatado desmaios, por fome. São os futuros analfabetos funcionais, que já alcança cerca de 24% da população: podem ler uma matéria, um pequeno recado, ou folha, mas não compreendem o que leram, nem tem capacidade crítica de análise. Daí, o sucesso das redes sociais, alimentadas pela ignorância das fake news.

    O dado divulgado mostrou ainda a diminuição de dois anos na expectativa de vida dos brasileiros.4- Isoamento Social- o IBGE constatou uma queda de mortes de jovens até 15, de cerca 15,1, crianças- 23,7%; o isolamento, em parte, os protegeu da morte  externa, mas não os poupa das violências doméstica; mas, ao mesmo tempo, o aumento da morte de 16,7% de homens e  mulheres, 12,9% – muitas destas, em sua maioria, resultado da agressão no lar, sem possibilidade de pedir socorro.

    Os homens, em boa parte, da exposição pública e de conflitos até no ambiente doméstico, pois não estão acostumados a vivência no lar, ou em ambientes perigosos.

    O que fazer? Desses dados cremos que olhar a população como ativo e não, sobrecarga, ou massa de manobra eleitoral; mas sujeito ativo de políticas públicas, já ajudaria bastante.

    Serviços públicos de qualidade não são esmolas ou favores, mas, obrigação do poder público. Quer fanfarra e placa de obras públicas? Pague a obra com seus recursos próprios. O povo não tem que agradecer ou aplaudir, mas receber o que lhe é de direito, pois sai dos seus impostos, que as classes abastadas não pagam ou sonegam, descarada e impunemente.

    Em suma, assumamos nossa cidadania plena, conforme CF art.1º, inciso-II, dos princípios fundamentais do Estado Brasileiro: “II- Cidadania”, e “III- Dignidade da Pessoa Humana.” Ou, queremos ser iguais aos Estados “atrasados” como Alemanha, Suiça, Suécia, Dinamarca e EUA?  “O Brasil é um paraíso”, foi dito no G-20. A conferir nas ruas e nas filas dos lixões e dos ossos.

    Auremácio Carvalho é advogado.

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