Seu tédio tem algo a dizer

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    Sem sair de casa. Nada a fazer. Senta no sofá, muda de canal, tudo igual, admira a geladeira, belisca, olha o celular, repete. Manhã monótona, fins de tarde arrastados. Domingos intermináveis. O tédio não anda respeitando as regras de distanciamento, é uma companhia inconveniente que insiste em ficar.

    Todos conhecemos o desconforto de sentir o tempo se prolongando e a impressão que absolutamente nada de interessante está acontecendo ao seu redor. Preferimos o amargo de uma experiência ruim que o gosto de nada que o tédio tem.

    Neuropsicólogos entendem essa sensação como resultado de um ambiente pouco estimulante e a incapacidade de se focar em qualquer atividade significativa. Um estado aversivo e incômodo de querer, mas não conseguir se engajar em coisa alguma.

    Ainda bem que o tédio existe.

    Ele é uma pista emocional, uma mensagem direta de descontentamento do seu eu. Você se desligou daquilo que te inspira, te motiva e a rota precisa ser ajustada. A enfadonha sensação do repetitivo, de tudo parado, te orienta para novos objetivos, novos rumos.

    É no ócio que surge a criatividade. Igualar “não fazer nada” com ser improdutivo é um entendimento limitado de produtividade. Esse tempo de respiro é indispensável a novas idéias, invenções e poesias.

    O tédio incentiva o retorno de velhos hábitos, porque você parou de ler seus livros? O exercício não te fazia bem?

    Te lembra dos planos não concretizados,  daquele curso que você nunca fez, do emprego que era seu sonho.

    O tempo livre, porém, incomoda, e corremos para ocupá-lo. O tédio é uma punção poderosa, um sinal de incêndio interno, mas as distrações rasas tapeiam esse fogo e esgotam o combustível da inventividade.

    Quando bebês reclamam ou choram, os acalmamos com chupetas, adultos entediados entorpecem seus sentimentos com celulares, verdadeiros bicos eletrônicos.

    Essa tentativa de sanar o tédio de formas improdutivas está na base de muitos hábitos adoecedores não só pelos eletrônicos, mas também pelo aumento do consumo de álcool e tabaco, por exemplo. Idas desnecessárias à geladeira que preenchem o estômago, mas não o tempo e compras por impulso que só trazem alegria até você abrir o embrulho.

    Todos esses comportamentos acabam por cronificar o sentimento, o que pode ser desencadeante de um quadro depressivo ou ansioso.

    Pesquisas apontam adolescentes cada vez mais entediados e crianças que não sabem como brincar sem um estímulo externo. Nunca houve tanto entretenimento, nunca houve tanto tédio.

    Entenda ele como a parte difícil antes de começar algo novo ou de atribuir um propósito diferente àquela atividade monótona.

    Valorize seu lazer, valorize você. Programe não só sua semana de trabalho, mas seus dias de descanso e crie momentos de desconexão.

    Claro, você não precisa, de uma hora para outra, ter um insight incrível. Pode passear, rever aquele amigo da faculdade, cuidar das plantas, gastar em uma viagem sozinho ou apreciar a graça gratuita das nuvens.

    Esse vazio entediante só será preenchido com aquilo que te realiza.

    Até descobrir o que é isso, aguce os ouvidos e escute o que o tédio tem para dizer.

    Manoel Vicente de Barros é psiquiatra em Cuiabá.

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