Nos últimos noves anos, a Energisa Mato Grosso teve uma arrecadação até 74,59% superior do que o previsto pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para cobrir os seus custos.
A previsão da Aneel é chamada de “receita requerida”. Com ela, a agência calcula qual será o valor da tarifa nas revisões (de cinco em cinco anos) e nos reajustes (quando não ocorre a revisão).
Segundo o engenheiro eletricista e professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Dorival Gonçalves Júnior, os empreendedores saem ganhando pela forma como o cálculo é feito.
“Os empreendedores estão sendo beneficiados. Eles estão trabalhando com um preço-teto e, se estiverem trabalhando em uma região onde os custos são baixos, certamente vão ter lucros altíssimos. Estão vendendo [a energia] na média mundial. Ela não tem risco nenhum [no negócio]”, pontua.
Até o início de abril de 2024, a Energisa Mato Grosso tem que ter uma receita superior a R$ 7,084 bilhões, segundo orientação dada pela Aneel. Foi a partir dessa definição, ainda em fase de estudos, que foi atualizada para 9,36% a média da tarifa a ser cobrada pela concessionária aos consumidores mato-grossenses, caso seja aprovada pela autarquia.
O cálculo feito pela Aneel pontua que a Energisa não fica com todo montante da chamada “receita requerida”. Conforme nota técnica da nova revisão, a Energisa vai ficar com 35,1% dos R$ 7,084 bilhões que possivelmente serão pagos pelos consumidores mato-grossenses nas faturas de energia em 2023, o que corresponde a R$ 2,847 bilhões. O montante não considera os impostos.
O restante do valor arrecadado vai para outras empresas concessionárias responsáveis por gerar eletricidade (usinas) e também aquelas responsáveis por levá-la até os estados (linhas de transmissão), além de encargos setoriais, voltados para custear políticas públicas definidas pelo governo.
Arrecadação maior que a prevista
Pelo menos desde a última revisão tarifária, a Energisa consegue arrecadar valores muito mais superiores do que é estipulado pela Aneel em seus processos de atualização da tarifa. A revisão é o processo, que ocorre a cada cinco anos, onde são atualizados todos os custos para a produção e distribuição de energia elétrica para o consumidor. A empresa está a concessão da energia em Mato Grosso desde 2013.
Cálculos feitos com bases nas notas técnicas da Aneel e no balanço de resultados divulgados pela Energisa, apontam que a diferença entre a receita requerida/recomendada pela agência e a receita bruta da Energisa percebida no ano chegou a uma diferença próxima ou superior a 70% de 2018 a 2021.
A diferença entre a receita requerida da Aneel e a receita da Energisa não são considerados no valor do processo de atualização da tarifa. O lucro da concessionária também não é levada no cálculo, conforme previsão do contrato de concessão.
Em 2021, o lucro da Energisa foi mais de R$ 1,1 bilhão, o que representou um aumento de 67,2% em relação ao ano anterior. Já 2018, o saldo positivo do caixa da concessionária foi de 8.795,8%. Somente nos anos de 2017 e 2015 houve queda no lucro da empresa, mas, apesar de baixo em relação aos outros anos, o resultado ainda é positivo – confira na tabela abaixo.
Em novembro do ano passado, a Energisa pagou R$ 313,1 milhões em dividendos a acionistas da concessionária. Membros da diretoria da concessionária, além de integrantes do Conselho de Administração e Conselho Fiscal, receberam também mais de R$ 11,7 milhões em remuneração no ano de 2022. O dinheiro faz parte do lucro da empresa.
De acordo com o professor Dorival, não há na legislação ou no contrato nenhuma obrigação quanto ao que deve ser feito com a diferença entre as receitas ou o lucro da concessionária.
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“Na discussão da Aneel, não aparece lucro. A receita que ela [Energisa] obteve foi resultado da definição da tarifa. É uma metodologia questionável por que a Aneel definiu uma receita que a empresa deve ter. E, com essa receita, em nenhum momento, está estimando quanto é o lucro da empesa. Quando vai para a realidade e pega os resultados, a tarifa que foi definida por essa metodologia assegurou a [Energisa] uma receita altíssima”, comenta.
Segundo Dorival, a receita elaborada pela Aneel para a Energisa não é orientada apenas para cobrir os custos da concessionária, mas também numa estimativa de arrecadação para arcar com todas as despesas do setor elétrico nacional previstas em uma metodologia chamada preço-teto.
Conforme o professor, os cálculos da previsão de custos da concessionária não “olha diretamente” para a empresa e utiliza uma média o que seria o custo em termos nacionais e até mundiais para fazer o serviço.
O problema é que, como essa metodologia define um preço pareado com a média nacional e até mundial, o retorno da Energisa é maior do que realmente necessário para cobrir os custos da concessionária, segundo o professor.
“Quando eu vou para a realidade, eu vejo que é um modelo que privilegia o grupo dos empresários. Por que? Quando olhos os resultados da empresa, vejo lucros elevadissimos. E esses lucros foram decorrentes de uma definição de tarifa que vem do modelo/metodologia, que proporciona aquele lucro”, disse o professor.
O diretor da Aneel, Ricardo Tili, aponta que os lucros da Energisa são decorrentes dos investimentos feitos pela empresa no serviço de distribuição de energia em Mato Grosso, como compra de postes, transformadores e construção de subestações.
“O investimento [da Energisa] é remunerado pela tarifa de energia. Ela ganha em cima desse investimento. Por mais paradoxal que seja, a distribuidora não ganha em cima da compra e venda de energia; o que ela ganha é o investimento que ela faz e esse valor vai para tarifa para os consumidores. É onde está o lucro dela”, diz.
Os empreendedores estão sendo beneficiados. Eles estão trabalhando com um preço-teto e, se estiverem trabalhando em uma região onde os custos são baixos, certamente vão ter lucros altíssimos. Estão vendendo [a energia] na média mundial. Ela não tem risco nenhum [no negócio]
A Aneel aponta, em diversas notas técnicas, que o nível tarifário vigente serve para manter o equilíbrio econômico-financeiro da Energisa Mato Grosso e que a “receita anual é suficiente para cobrir os custos operacionais incorridos na prestação do serviço adequado a remunerar o capital investido”.
O professor disse que os defensores da metodologia atual apontam que é muito difícil para uma empresa, ou órgão público, definir todos os custos reais do setor elétrico e que arbitrar a taxa de lucro prejudica o livre funcionamento do mercado.
“É melhor que aplique a metodologia porque o empreendedor começa com um valor grande, então ele está incentivado a aumentar sua produtividade, seus lucros e vai trazer benefícios para os consumidores. Tem uma grande discussão aparentemente científica, mas, no fundo, é uma discussão política e econômica”, destaca.
Os valores da revisão da tarifa ainda estão em estudo pela Aneel. Mas, conforme números preliminares apresentados pela agência, a energia elétrica em Mato Grosso pode aumentar em média 9,36%. Para os consumidores residenciais, o impacto deve ser de 8,84% a mais na conta. Já as grandes empresas e indústrias, devem ter um reajuste de 8,54%.
Por ora, o percentual é maior do que a inflação de 2022, que fechou em 5,45%, segundo o Índice Geral de Preços. O reajuste deve ser votado e aprovado pelos diretores da Aneel no dia 4 de abril deste ano. Caso aprovado, o valor passa a vigorar em 8 de abril.
Midia Jur