O resultado do PIB para o primeiro trimestre surpreendeu positivamente os agentes econômicos. Com crescimento de 1,9% frente ao último trimestre de 2022, o desempenho foi puxado sobretudo pelo agronegócio, que teve a maior alta dos últimos 27 anos.
Mas quais são os fatores que levaram a esse crescimento da economia? E o que esperar daqui para a frente? Entenda, em seis pontos, o resultado do PIB divulgado nesta segunda-feira, 1, pelo IBGE
Segundo ele, o ritmo de crescimento tem surpreendido favoravelmente no mundo inteiro. “Como a economia brasileira é interligada, isso deve estar beneficiando de uma forma ou de outra”, diz. “No final do dia, está claro que a economia brasileira está crescendo um pouco mais.”
O resultado veio a reboque da safra recorde esperada para este ano. “A surpresa veio basicamente do crescimento maior da agropecuária em 21,6% no trimestre, puxado pela safra recorde”, diz Rafaela Vitória, economista-chefe do banco Inter.
Opinião corroborada por Luís Otavio Leal, economista-chefe da G5 Partners. Nas suas contas, o agro foi responsável por 1,7 p.p. do crescimento desta base de comparação. “Esse resultado foi reflexo da safra 22/23 que cresceu 15% com relação a de 21/22 e da sazonalidade que faz com que a produção de soja e parte da de milho seja colhida no 1º trimestre.
Nessa esteira, veio também o setor de transportes, um crescimento de 1,2%, cujo resultado em boa medida veio ligado ao do agro. “Transportes, por exemplo, refletiu muito a parte de safra, por isso não surpreendeu”, diz Sinigaglia, da Garde.
Para Sinigaglia, o setor foi beneficiado por condições favoráveis no clima e nos preços de commodities em patamar elevado — além do recuo nos preços de fertilizantes após alta generalizada no ano passado.
“Isso impulsionou a safra do primeiro trimestre, que é – de fato – a mais relevante do ano [soja]. Adiante, as condições permanecem favoráveis, tanto para o milho [safrinha] quanto para o açúcar. Logo, dinamismo do PIB no ano será impulsionado pelo PIB agro”, afirma.
No entanto, para o ano que vem, o economista avalia que o agro não terá as mesmas condições favoráveis, e não deve contribuir para o crescimento do PIB como neste ano.
2. Serviços e consumo: espera-se mais
O setor de serviços, que compõe quase 70% do PIB, cresceu 0,6% — em linha com o que esperava o mercado. A performance está ligada ao setor de transportes (crescimento de 1,2%), que por sua vez tem relação direta com a dinâmica do agronegócio.
Pelo peso na proporção do PIB, observar as variações nessa área é essencial para projetar o desempenho da economia brasileira.
“O setor de serviços apresentou crescimento apenas moderado no período se levado em consideração o padrão apresentado no decorrer do ano passado”, escrevem Carla Argenta e Matheus Pizzani, economistas da CM Capital.
Para eles, porém, o setor externo teve um peso muito grande no indicador, com resultados como o de transportes e da própria indústria extrativa. “Enquanto segmentos que dependem mais da dinâmica doméstica, como o comércio, apresentaram resultados aquém do que se espera para um país que pretende crescer mais de 2% nos próximos anos”, avaliam.
Ao se decompor os serviços, notam-se diferentes velocidades de crescimento na comparação com o quarto trimestre de 2022
• Informação e comunicação – (6,8%)
• Transporte, armazenagem e correio – (5,1%)
• Intermediação financeira e seguros – (4,6%)
• Outras ativ. serviços – (4,3%)
• Atividades imobiliárias – (2,8%)
• Comércio (atacadista e varejista) – (1,6%)
• Adm., saúde e educação públicas e seguridade social – (0,4%)
Na comparação com o mesmo período do ano passado, o PIB do setor de serviços cresceu 2,9%. Pesou nesse dado a base de comparação baixa do indicador no ano passado — pressionado pelas restrições da pandemia.
Também essencial na equação, o consumo das famílias cresceu 0,2% em relação ao último trimestre de 2022. “Há o efeito dos estímulos que foram dados na corrida eleitoral e ampliados na virada do ano”, diz Toledo, da LCA.
De fato, o Bolsa Família atualmente se tornou um programa muito maior. Dados do professor Écio Costa, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), mostram que em março e abril — que não entra na conta do IBGE — o governo repassou R$ 28 bilhões em benefícios do Bolsa Família.
“O valor de R$ 13 a R$ 14 bilhões é muito maior do que o que se pagava antes da pandemia, que ficava em torno de R$ 3 bilhões. Fica muito próximo do Auxílio Brasil. Nesse período, a inflação foi muito forte e o poder de compra dos R$ 600 caiu”, afirma Costa.
Segundo ele, o aumento dos benefícios tende a incrementar o PIB por meio do consumo. “Mas geralmente isso traz a questão do ‘voo de galinha’. Quando você tem transferências e estímulo ao consumo, o PIB fica em patamar mais elevado”, diz. “Mas se é tratado de forma insustentável, com muitas despesas do setor público, termina em algum momento sendo retirado porque traz danos grandes às contas do governo.”
O ideal é que se use isso de forma temporária à medida que se estimula o crescimento pelo setor produtivo, por meio de investimentos (veja abaixo).
Na comparação com o primeiro trimestre de 2022, o crescimento do consumo foi de 3,5%. O próprio IBGE destaca três pontos que contribuíram para o resultado:
- Melhora no mercado de trabalho (crescimento da massa salarial real), * segundo a Pnad contínua;
- Crescimento nominal de 16,7% do saldo de operações de crédito do sistema
financeiro nacional para as pessoas físicas, segundo o Bacen; - IPCA variou 5,3% no 1º trim./2023 ante 10,7% no 1º trim./2022.
Para o economista Rafael Perez, da Suno Research, as principais razões para o resultado foram o pacote de medidas de incentivo ao consumo pelo governo, como o Bolsa Família, a queda na inflação nos últimos meses e uma melhora na massa salarial. “O consumo das famílias será um dos principais fatores a sustentar a atividade econômica ao longo do ano”, diz.
A economista-chefe do Inter, Rafaela Vitória, é mais cautelosa. Para ela, o dado indica um ainda baixo efeito do estímulo fiscal no período, que foi amenizado pela política monetária restritiva e elevado comprometimento de renda das famílias.
Os dados do PIB nesse aspecto no próximo trimestre, quando serão sentidos os efeitos das medidas implementadas pelo governo Lula, serão essenciais para entender para onde caminhará o crescimento econômico.
No geral, houve forte queda nos investimentos (-3,4%) e resultados opacos do setor industrial — que ficou estável com queda de 0,1%. Apesar de resultados positivos, esses indicadores — e sua falta de reação — redobram a cautela com a atividade econômica nos próximos trimestres.
O destaque negativo do PIB foi a queda de 3,4% na Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) — os investimentos — também impactada pela alta dos juros e pelo cenário de maior incerteza no período.
Já a indústria teve um cenário de estabilidade, com queda de 0,1%. Na relação com o último trimestre do ano passado, houve queda em atividades industriais da Construção (-0,8%) e de Indústrias de Transformação (-0,6%). Já os desempenhos positivos ocorreram em Indústrias Extrativas (2,3%) e Eletricidade e gás, água, esgoto, atividades de gestão de resíduos (1,7%), segundo o IBGE.
Luís Otavio Leal, economista-chefe da G5 Partners, avalia que o desempenho no setor só não pior por causa das indústrias extrativas subiram 2,3%. Ele lembra que se tratar da área mais afetada pelas altas taxas de juro. “A indústria de transformação (o que pensamos quando falamos de indústria), caiu 0,6%”, diz.
Para os economistas da CM Capital, o setor industrial, novamente, se mostrou “incapaz de contribuir de maneira positiva e efetiva para o avanço do PIB”.
“Apesar do avanço de setores que são beneficiados pela conjuntura atual, como a indústria extrativa, dinamizada pela maior demanda externa por commodities metálicas frente ao que foi registrado no ano anterior, e a produção e distribuição de energia, gás e água, que ainda colhe benefícios de medidas legislativas aprovadas nos últimos tempos que incentivaram o investimento privado nestes setores, estruturalmente o desempenho de nossa indústria ainda preocupa”, avaliam.
Isso se agrava ao colocar na conta mudanças observadas no setor globalmente, com movimentos de “regionalização de cadeias produtivas e mudança de matrizes energéticas em direção à modelos mais sustentáveis do ponto de vista ambiental”.
Nesta seara, os economistas ressaltam que as políticas recentes anunciadas pelo governo — como o alívio tributário para carros populares — preocupam. “Como no caso dos automóveis, algo que não estimula elevação dos investimentos em capacidade produtiva, tampouco a migração de recursos para segmentos mais avançados do ponto de vista tecnológico e que permitam crescimento da participação da indústria no conjunto do nosso produto, mitigando cada vez mais nossa capacidade de consumir internamente e exportar bens manufaturados”, escrevem.
4. Efeito de reformas feitas no passado recente
O ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, foi ao Twitter para defender o legado do governo de Jair Bolsonaro na condução econômica.
“O desempenho do PIB no primeiro trimestre de 2023 deixa claro que a economia brasileira cresceu de maneira sustentável em 2022 e que o legado econômico dos últimos anos foi positivo. O Brasil tem jeito, basta insistir na consolidação fiscal e reformas micro”, escreveu.
A declaração é pouco surpreendente, sobretudo quando vinda de um ex-gestor econômico. Mas ecoa uma percepção de outros analistas de mercado sobre o efeito que as reformas microeconômicas feitas desde 2016 deixaram para a sustentabilidade do crescimento do país.
Em entrevista à EXAME, Ricardo Denadai, CEO e economista-chefe da ACE Capital, se referiu a um efeito “esotérico” das reformas feitas na economia nos últimos anos.
“De um lado, pode até haver algo estrutural que subestimamos nos últimos três anos. Seria supostamente algum peso das reformas feitas nos últimos seis anos, cujo efeito poderia ter aparecido antes, mas a pandemia embaralhou e talvez agora apareça algum aumento de produtividade e alguma mudança mais estrutural”, disse. “Acredito que algum peso deste efeito pode estar aparecendo no mercado de trabalho e no investimento privado em proporção ao PIB, que passou da casa dos 14% para a dos 19% a 20%.”
Para Celso Toledo, da LCA, reformas estruturais demoram para trazer benefícios e é muito difícil separar em tempo real o efeito delas. “Dito isso, a aprovação da reforma trabalhista, do teto de gastos e da reforma da previdência, além dos marcos [como saneamento e gás] certamente trouxeram benefícios”, afirma Toledo.
Para ele, o choque da pandemia dificultou a identificação dos possíveis impactos, mas agora já é possível dizer que as coisas estão “mais próximas do normal”. “Talvez o crescimento maior reflita um pouco esses efeitos. Os desmontes posteriores e tentativas de desmontes adicionais vão cobrar um preço no futuro”, diz.
O resultado também terá um efeito na construção da política econômica. A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, se apressou em dizer que o dado mostra que o país está voltando a crescer. Para ela, há espaço para crescer e que o país pode chegar a um PIB final em 2023 de 2,3% — estimativa superior à do próprio governo, de 1,9%.
O governo já lançou uma campanha para enaltecer o “Pibão” e a posição do país em um ranking do crescimento de PIB no ano de países da OCDE, que agrupa países ricos.
Invariavelmente, o governo, especialmente a ala econômica, cujo maior representante é o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, terá um argumento convincente para pressionar pela queda da taxa de juro, esperada para setembro deste ano.
A narrativa tende a esquentar o debate às vésperas da reunião do Conselho Monetário Nacional, que ocorre em meados de junho. Na reunião, espera-se que a meta de inflação seja mantida em 3,5%.
6. O que esperar do PIB do Brasil em 2023?
O resultado desta quarta-feira, 1º, deve forçar uma revisão generalizada das casas de análises e agentes econômicos do PIB deste ano. As estimativas variam, mas passam para uma faixa de 1,5% a 2,6%.
O Goldman Sachs, por exemplo, revisou sua projeção de alta do PIB em 2023 de 1,75% para 2,6%. Segundo o “Valor Econômico”, movimento semelhante aconteceu com a MB Associados (de 1,3% para 2,1%), a Capital Economics (1% para 2,3%) e o Credit Suisse (1,3% para 2,1%).
Mas há alguns sinais de alerta. “A concentração do resultado no PIB agropecuário coloca em dúvida a sustentação deste movimento, tanto que, apesar deste resultado expressivo acreditamos que os números dos próximos trimestres deverão ficar mais próximos da estabilidade”, diz Luís Otávio, da G5. “Vamos rever o nosso PIB de 2023 de 1,5% para 2,3%. Ou seja, um “pibão” com gosto de “pibinho”, mas que já garante um “pibão” para 2023.”
Opinião semelhante à de Rafaela Vitória, do Inter. “O crescimento do primeiro trimestre deixa um carrego para o ano de mais de 2%, mas como o desempenho mais forte do agro foi concentrado no primeiro trimestre pode resultar em alguma acomodação nos próximos trimestres”, avalia.
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