Em julgamento (09) de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIns), o Órgão Especial do TJMT, decretou a inconstitucionalidade de parte da Lei Estadual nº 7.263/2000 (Fethab), mas a decisão sofrerá modulação para que seus efeitos não retroajam, o que impedirá qualquer ação para reaver o dinheiro adquirido em função da Lei inconstitucional.
O Fethab prevê o repasse de recursos de verbas do Fundo Estadual de Transporte e Habitação (Fethab) a entidades do agronegócio. Apenas no período de dezembro de 2020 e junho de 2021 as associações privadas do agro receberam R$ 55,3 milhões, sem a necessidade de qualquer prestação de contas aos entes públicos.
Foram beneficiados: Instituto Mato-grossense do Agronegócio (Iagro) – vinculado à Aprosoja –, Instituto da Pecuária de Corte Mato-grossense (Inpec-MT), Instituto da Madeira do Estado de Mato Grosso (Imad), Instituto Mato-grossense do Algodão (IMA-MT) e Instituto Mato-grossense do Feijão, Pulses, Grãos Especiais e Irrigação (Imafir-MT).
O desembargador Marcos Machado, relator dos processos, chegou à conclusão de que a lei viola os princípios da isonomia, eficiência, da moralidade, publicidade, além de ofender a impessoalidade, já que o recebimento do dinheiro não se dá por processo licitatório.
Mas o que é a modulação?
Modular os efeitos significa a possibilidade de se restringir a eficácia temporal de decisões para que seus efeitos sejam válidos apenas para o futuro, não retroagindo no tempo.
O objetivo da modulação dos efeitos das decisões judiciais é proteger a segurança jurídica e o interesse social, evitando que a declaração de inconstitucionalidade produza efeitos negativos (Lei 9.868/1999, Art. 27 e Art. 927, § 3º, do Código de Processo Civil, CPC).
Dois especialistas ouvidos pela reportagem, sob a condição de sigilo, entendem que a modulação é exceção, e a regra é que os efeitos da decisão fossem ex tunc, ou seja, retroagissem, o que obrigaria os beneficiários devolverem o dinheiro recebido com juros e correção.
O cerne da questão é a clara fundamentação baseada nas duas condições previstas em Lei: segurança jurídica e o interesse social. Explicou um dos especialistas.
“Inequívoca deslealdade processual”
O relator das ADIns, em decisão que indeferiu o pedido do IAGRO e da ALMT, para que os efeitos do julgado fossem modulados para o trânsito em julgado do mérito, pontuou que tanto a Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso (ALMT), quanto o Estado de Mato Grosso, agiram de má-fé, com inequívoca deslealdade processual, por terem acelerado o processo legislativo após tomarem conhecimento da procedência parcial da ADI, bem como da sua modulação, agindo em conluio para usurpar a jurisdição constitucional do TJMT:
A situação processual apresentada, nestes pedidos, revela uma inequívoca deslealdade processual tanto da Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso como do Estado do Mato Grosso, ao aprovar e sancionar a Lei Estadual nº 11.975/2022, respectivamente, após o julgamento público das ADI’s nº 1017304-80.2021.8.11.0000 e nº 1000857-80.2022.8.11.0000, sobretudo porque ambas permaneceram suspensas no período compreendido entre 21.7.2022 a 13.10.2022 para aperfeiçoamento da lei impugnada (ID 136323677), a pedido da PGE, mas não houve qualquer ato legislativo antes do pronunciamento do Tribunal sobre os objetos impugnados.
Note-se que Lei Estadual nº 11.975/2022 [“Altera e revoga dispositivos da Lei nº 7.263, de 27 de março de 2000, que cria o Fundo de Transporte e Habitação – FETHAB, bem como revoga dispositivo da Lei nº 10.818, de 28 de janeiro de 2019, e dá outras providências”] foi editada [em 21.12.2022] com uma incomum celeridade e somente depois de conhecido o teor do julgamento [procedência parcial] e da modulação definida pela maioria dos membros do Órgão Especial [a partir da publicação do v. acórdão].
Identifica-se um propósito de burlar a jurisdição constitucional do TJMT, a ser repelido para se preservar a regularidade e legitimidade do julgamento colegiado sobre o tema (STF, ADI nº 3.232/TO – Relator: Min. Cezar Peluso – 3.10.2008; ADI 3306/DF – Relator: Min. Gilmar Mendes – 17.3.2011).
A modulação e o “perdão” ao Agro
Ficou definido que o acórdão do TJMT passará por uma modulação, onde serão decididos os efeitos da decisão.
O efeito prático disso é que as associações do Agro, beneficiadas pela Lei declarada inconstitucional, não serão obrigadas a devolver nenhum valor recebido, tampouco serão obrigadas a prestar contas do que foi feito com esse dinheiro.
É como se houvesse um perdão ao Agro, o isentando de devolver o dinheiro público recebido indevidamente em função de uma Lei inconstitucional.
A modulação com efeitos depois do trânsito em julgado
Em momento de modulação, o acórdão ainda passará por uma votação sobre se seus efeitos valerão a partir da publicação da decisão, ou se eles ficarão suspensos até o trânsito em julgado(quando esgotarem todos os recursos cabíveis).
A tese de modulação dos efeitos apenas após o trânsito em julgado é defendida pelos Desembargadores: Maria Aparecida Ribeiro, Clarice Claudino, e pelo desembargador Paulo da Cunha.
Precisam ser colhidos os votos dos desembargadores Juvenal Pereira e José Zuquim, ausentes justificadamente da sessão.
O efeito prático
O efeito prático da modulação apenas após o trânsito em julgado é que as empresas particulares do Agro, além de não precisarem devolver e nem prestar contas do dinheiro recebido, poderão continuar recebendo esses recursos até que haja esgotamento de todo sistema recursal para o acórdão, o que poderá levar anos.
O outro lado
A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa do TJMT, que se manifestou da seguinte forma:
Desembargador Marcos Machado, relator da ADIn, informou que o fundamento da modulação poderá ser lido quando o acórdão for publicado, o que não ocorreu ainda, uma vez que falta a apresentação de um voto.
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