sábado, dezembro 28, 2024
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Danni Suzuki reacende discussão sobre racismo a asiáticos

Notícias ao Minuto

Imagine uma novela sobre a comunidade alemã no Brasil em que os protagonistas fossem vividos por atores japoneses. Semelhante estranheza gerada por escolha de elenco chegou ao público em 2016, quando Luís Melo e Giovanna Antonelli foram escolhidos para liderar o núcleo nipônico da novela “Sol Nascente”.

À época, asiático-brasileiros uniram-se pela primeira vez para contestar a forma como são representados na televisão brasileira, que completa 70 anos neste mês.

O assunto voltou à tona mês passado, quando viralizou nas redes sociais o trecho de uma live em que a atriz Danni Suzuki revela que o autor Walther Negrão havia escrito a novela para ela.

Considerada velha demais para interpretar a protagonista, e, posteriormente, também preterida para o papel de prima da mocinha, Suzuki, hoje com 43 anos, acabou optando por sair da novela. Antonelli, escolhida para o papel principal, tem hoje 44 anos.

A idade também foi o motivo apresentado à época para escalarem Melo, 72, no lugar de Ken Kaneko, 85, no papel do amigo de Francisco Cuoco, 86.

A diretora de elenco Renata Kalman, que trabalha com cinema há 25 anos, diz acreditar que, assim como Suzuki, muitos atores descendentes de asiáticos acabaram se encaminhando para outras profissões por falta de oportunidades: “Desta forma, você deixa de formá-los para o protagonismo.”

Já o produtor de elenco Luiz Antônio Rocha, que atuou na Globo por 17 anos e teve passagens pela Record, atribui a ausência de asiáticos na TV à falta de iniciativa dos atores. “Se diz ‘Ah, não tem papel para mim porque eu sou oriental’. Mas será que você é tão bom ator a ponto de querer ganhar?” Ele, que trabalhou em “Mulheres Apaixondas” e “Os Mutantes”, diz ainda que vê os orientais “muito esperando”, e que não os vê “botando a cara, como os negros”.

“O nome disso é racismo”, escreveu o influenciador digital Alexandre Santana ao publicar o trecho da live que acabou viralizando dois meses após sua transmissão. À frente do Lista Preta, projeto que discute a representatividade de artistas negros, o baiano apontou que a invisibilidade também atinge outros grupos étnico-raciais, ainda que de formas distintas.

Em nota, a Globo diz que, ao longo dos últimos anos, tem “realizado um profundo planejamento de renovação e qualificação do banco de talentos, pesquisando novos profissionais em festivais, escolas de teatro e roteiros, cinema e em diversas regiões do Brasil”.

“Diferentemente do negro, o japonês tem o que se chamaria de um estereótipo positivo: a questão da inteligência, da tecnologia, da disciplina”, diz Ricardo Alexino Ferreira, professor de etnomidialogia na USP. “Mas o fato de ser positivado não significa que não seja opressor.”

“É a partir da referência de produtores brancos que os outros são olhados, sejam eles amarelos, negros, mulheres, indígenas”, diz a socióloga Elisa Massae Sasaki, que chegou a ser convidada para prestar consultoria para “Sol Nascente”, mas recusou o convite. “A sensação era de que queriam apenas uma chancela da academia para legitimar sua visão.”

“Mesmo que tenhamos contrato por uma novela inteira, muitas vezes somos quase um objeto de cena, não tem história nem alma”, conta Carlos Takeshi, primeiro ator de ascendência asiática a ter personagem fixo em uma novela brasileira -“Os Imigrantes”, exibida na Band em 1981.

Ele diz que a reivindicação dos atores não é apenas em relação à quantidade de papéis disponíveis, mas principalmente à qualidade deles, que costumam ser superficiais e caricatos. “Só escrevem para reforçar que somos asiáticos. Eu não preciso usar quimono e comer sushi.”

Takeshi, que também é dublador e trabalhou no cinema e em novelas como “Belíssima”, interpretava um sushiman em “Amor sem Igual”, novela da Record interrompida pela pandemia. “Infelizmente a visão ainda é a de que não somos brasileiros”.

Foi pensando nisso que a atriz Bruna Aiiso batizou de “Brasileiros” a série de lives em seu Instagram em que Suzuki fez a revelação sobre a origem de “Sol Nascente”, criada para chamar a atenção de roteiristas, diretores e produtores de elenco. Desde a estreia, em junho, já foram entrevistados 47 artistas amarelos em três temporadas –e acaba de começar uma quarta, com mais 15 convidados.

“Eu poderia fazer uma novela em que um dos meus pais é preto e o outro, amarelo, porque isso acontece na realidade. Minha mãe é negra e meu pai é filho de japoneses”, diz ela, que interpretou a tradutora Toshi na novela “Bom Sucesso”, que esteve no ar até janeiro na Globo.

Embora Toshi tivesse um sotaque que não era propriamente japonês, mas sim uma criação baseada no que a fonoaudióloga Leila Mendes acreditava ser a forma como japoneses falam, Aiiso celebra a relevância da personagem, que tinha uma história e transitava entre os núcleos.

Mas o maior marco na representatividade de asiático-brasileiros se deu em 2017, com a estreia de “Malhação: Viva a Diferença”, com a primeira protagonista amarela da história das telenovelas da Globo, a jovem Tina. “Foi a primeira vez em quase 40 anos de profissão que eu tive uma família completa, com avó, casal e filhas”, diz Takeshi, que viveu o pai de Tina, primeiro papel de Ana Hikari.

Para além da mera presença de asiáticos, os conflitos abordados na trama estavam mais próximos da realidade vivida pelos nipo-brasileiros atualmente, como o conflito entre as gerações anteriores, mais ligadas à cultura dos antepassados, e as atuais, que já são essencialmente brasileiras.

Contrariando as expectativas dos que temem o risco comercial supostamente implicado em investir em diversidade no protagonismo, “Malhação: Viva a Diferença” foi um sucesso de público e mercado, tendo ganhado o prêmio de melhor série no Emmy Internacional Kids de 2019 e rendido um spin-off, “As Five”, que deve estrear em novembro no Globoplay. Para a pesquisadora Krystal Urbano, do núcleo de mídia e cultura asiática contemporânea da Universidade Federal Fluminense, embora tenha havido avanços, ainda falta muito para que novelas representem a maioria dos brasileiros. “Encarar como exótico tudo o que foge ao contexto dos Estados Unidos e da Europa está tão arraigada no olhar brasileiro que se chega a achar estranho que haja uma protagonista com fenótipo leste-asiático, mas que, na prática, pode ser muito mais brasileira que eu.”

“A TV está dentro da nossa casa todos os dias e as ideias concebidas e moldadas pelas emissoras vão tendo um reflexo no cotidiano das pessoas. Falta uma responsabilidade”, diz Urbano. “O racismo na televisão vai muito além de quem está na frente das câmeras. É preciso pessoas negras e amarelas produzindo e fazendo TV”, defende Santana, do Lista Preta.

 

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