A recente aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado que autoriza a coleta, processamento e venda de plasma humano por entidades privadas, tem gerado um animado debate no Brasil. As ondas de reações contra e a favor desta legislação destacam os dilemas éticos e práticos ligados à biotecnologia e ao acesso à saúde no país.
Aprovada com uma margem apertada de 15 votos a 11, a PEC tem como um de seus pilares argumentativos a perspectiva de que a iniciativa privada pode potencializar e economicamente otimizar a produção de medicamentos essenciais, como os utilizados para o tratamento de câncer, insuficiência renal e HIV. A relatora da PEC, senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB), salienta que a competição no setor poderia refletir na redução dos preços dos medicamentos, beneficiando indiretamente o Sistema Único de Saúde (SUS) através da aquisição mais acessível de fármacos.
No entanto, os argumentos contrários à PEC são robustos e expressam preocupações que vão desde a ética de compensação por doação de plasma até a estruturação e funcionamento da política nacional de sangue. A Fiocruz, uma referência nacional em saúde pública, expressa apreensão não só quanto ao potencial escoamento do plasma brasileiro para mercados estrangeiros, mas também com relação ao incentivo que a comercialização pode representar para indivíduos financeiramente vulneráveis, configurando uma dinâmica que poderia acentuar as desigualdades sociais já existentes.
É importante observar que a legislação atual prevê que a doação de sangue deve ser estritamente voluntária e que o material coletado é encaminhado ao SUS e à Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás) para processamento e posterior utilização em terapias e na produção de medicamentos.
Diante do cenário, a Hemobrás, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), e outras entidades se manifestam, enfatizando os potenciais perigos desta mudança legislativa, entre eles o risco de desestímulo à doação e consequentes dificuldades no abastecimento de sangue e plasma para procedimentos médicos emergenciais e produção de hemoderivados.
Este panorama legislativo sinaliza um interessante e complexo debate que engloba, em seu âmago, o eterno dilema entre a eficiência do mercado e a ética na prestação de cuidados à saúde. A conciliação entre a necessidade de desenvolvimento e inovação no setor farmacêutico, a segurança e a dignidade dos doadores e pacientes, e a estrutura e funcionamento das políticas de saúde pública é, sem dúvida, um desafio cuja solução requer uma discussão aprofundada e inclusiva.
Como o texto aprovado na CCJ avança para deliberação no Plenário e, se aprovado, para a Câmara dos Deputados, o diálogo entre os diferentes setores e a sociedade civil torna-se indispensável para garantir que as diretrizes adotadas sejam reflexo de um consenso informado e consciente sobre os prós e contras da comercialização do plasma no Brasil.
Peter Paulo