FOLHAPRESS
O CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) tem na pauta de julgamento desta terça-feira (18) três casos que envolvem o coordenador da Operação Lava Jato no Paraná, Deltan Dallagnol.
Dois procedimentos foram instaurados a partir de representações enviadas aos CNMP pelos senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Kátia Abreu (PDT). Um terceiro, mais antigo, foi aberto a partir de reclamação da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Deltan é acusado nestes três casos de cometer diferentes irregularidades no exercício de suas atribuições como procurador da República. Como medida mais drástica, o CNMP pode afastá-lo da Lava Jato.
O julgamento causa enorme apreensão porque o procurador-geral da República, Augusto Aras, um crítico da Lava Jato, decide nos próximos dias se prorroga a designação de procuradores para atuar na força-tarefa de Curitiba.
Em recursos apresentados ao STF (Supremo Tribunal Federal) na semana passada, a defesa do coordenador da Lava Jato pediu a suspensão dos procedimentos relativos às acusações de Renan Calheiros e Kátia Abreu. O ministro Celso de Mello é o relator dos pedidos.
O CNMP é um órgão de controle externo do Ministério Público e de seus integrantes. Entre suas atribuições está a fiscalização disciplinar.
É composto por 14 conselheiros, entre integrantes do Ministério Público, juízes, advogados e dois cidadãos indicados pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. Quem o preside é o procurador-geral da República, cargo atualmente ocupado por Augusto Aras.
Nos últimos dias, conselheiros têm analisado a tendência do colegiado no julgamento desta terça e concluído que o fato de o CNMP estar desfalcado pode ser desfavorável a Deltan.
Três indicações aguardam aprovação do Senado, sendo duas de nomes pertencentes aos quadros do Ministério Público.
O ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro afirmou nesta segunda-feira (17) em uma rede social que entre as prerrogativas que a Constituição garante aos integrantes do Ministério Público está a de não ser removido. “Essa é a garantia para poder trabalhar com independência”, afirmou Moro.
“O trabalho da força-tarefa da Lava Jato, coordenada por Deltan Dallagnol, é um marco para o combate à corrupção.”
Em nota divulgada na quinta-feira (13), procuradores da força-tarefa da Lava Jato manifestaram apoio a Deltan, na qual afirmaram serem “testemunhas da atuação correta, dedicada e corajosa do procurador Deltan Dallagnol”.
Para os colegas do coordenador da Lava Jato, “o que está em jogo é a capacidade institucional de proteger promotores e procuradores que trabalham contra a grande corrupção estabelecida em diversas esferas de governo no Brasil”.
Um dos itens contra Deltan na pauta do CNMP é um processo administrativo disciplinar instaurado a partir da representação de Renan, investigado na Lava Jato pela PGR (Procuradoria-Geral da República). O alagoano acusa Deltan de quebra de decoro.
O parlamentar alegou que o procurador foi às redes sociais para atacá-lo e tentar interferir nas eleições do Senado em 2019 -parlamentar foi candidato à Presidência- o que configuraria ato político-partidário, vetado em lei aos integrantes do Ministério Público.
O segundo procedimento contra o procurador do Paraná é fruto de representação de Kátia Abreu e tramita na forma de um pedido de providências.
A parlamentar pede que Deltan seja transferido para outra unidade do MPF (Ministério Público Federal), deixando de atuar na Lava Jato, em razão, entre outros argumentos, do grande número de reclamações disciplinares a que responde no CNMP.
O conselho incluiu também na sessão de julgamento desta terça um terceiro procedimento contra Deltan, outro pedido de providências.
De iniciativa da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o caso é relativo ao episódio do powerpoint, quando a Lava Jato de Curitiba concedeu entrevista coletiva à imprensa para explicar detalhes sobre a denúncia contra o petista.
Os advogados de Lula acusaram o coordenador e demais integrantes da força-tarefa de transgredir deveres funcionais ao criar constrangimento público ao ex-presidente e à ex-primeira-dama Marisa Letícia.
Deltan projetou uma imagem de powerpoint para acusar o petista de ter ligação com todos os fatos relacionados à corrupção na Petrobras.
Sob a justificativa de um grande volume de processos a serem analisados na sessão do dia 7 de julho, o caso havia sido retirado de pauta e agora retorna.
Nos recursos ao STF, Deltan alegou que as acusações foram analisadas e rejeitadas pelo CSMPF (Conselho Superior do Ministério Público Federal), órgão de deliberação administrativa da procuradoria.
No caso de Calheiros, o procurador afirma que a mensagem publicada nas redes não foi ofensiva e apenas relatou a existência de investigações contra Calheiros, além de agregar uma análise de cenário sobre o futuro das reformas anticorrupção em análise no Parlamento com base nas manifestações ou atuação pretérita do senador alagoano.
Deltan já foi alvo de mais de 30 representações no CNMP, das quais um terço já foi arquivada. Parte dessas representações foi baseada em reportagens após o vazamento de mensagens trocadas por integrantes da Lava Jato no aplicativo Telegram e obtidas pelo site The Intercept Brasil.
O pacote vazado no ano passado incluiu mensagens privadas e de grupos da força-tarefa a partir de 2015, incluindo também diálogos travados entre o coordenador da Lava Jato e o então juiz Sergio Moro.
No caso de Deltan, as mensagens trocadas pelo Telegram indicam, entre outros pontos, que o procurador incentivou colegas em Brasília e Curitiba a investigar os ministros do STF Dias Toffoli e Gilmar Mendes sigilosamente.
A legislação brasileira não permite que procuradores de primeira instância, como é o caso dos integrantes da força-tarefa, façam apurações sobre ministros de tribunais superiores.
Conforme revelou o jornal Folha de S.Paulo em parceria com o Intercept, Deltan também montou um plano de negócios de eventos e palestras para lucrar com a fama e contatos obtidos durante a Lava Jato.
Ele e o colega Roberson Pozzobon cogitaram abrir uma empresa em nome de suas mulheres para evitar questionamentos legais. Deltan fez uma palestra remunerada para uma empresa que havia sido citada em um acordo de delação.
Deltan e seus colegas da Lava Jato também contornaram limites legais para obter informalmente dados sigilosos da Receita Federal em diferentes ocasiões.
Os diálogos indicam que integrantes da força-tarefa do caso em Curitiba buscaram informações do Fisco sem requisição formal e sem que a Justiça tivesse autorizado a quebra do sigilo fiscal das pessoas que queriam investigar.
No caso de Moro, em resumo, indicou testemunha que poderia colaborar para a apuração sobre o ex-presidente Lula, orientou a inclusão de prova contra um réu em denúncia que já havia sido oferecida pelo Ministério Público Federal, sugeriu alterar a ordem de fases da operação Lava Jato e antecipou ao menos uma decisão judicial.
Nas mensagens, o ex-juiz ainda sugeriu recusar a delação do ex-deputado Eduardo Cunha (MDB) e se posicionou contra investigar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Caso haja entendimento de que Moro estava comprometido com a Procuradoria (ou seja, era suspeito), as sentenças proferidas por ele poderão ser anuladas.
Isso inclui o processo contra Lula no caso do tríplex de Guarujá, que levou o petista à prisão em 2018, está sendo avaliado pelo STF e deve ser julgado ainda no segundo semestre deste ano. A relatoria é do ministro Gilmar Mendes.
Moro tem repetido que não reconhece a autenticidade das mensagens, mas que, se verdadeiras, não contêm ilegalidades.
Segundo o Código de Processo Penal, “o juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes” se “tiver aconselhado qualquer das partes”. Afirma ainda que sentenças proferidas por juízes suspeitos podem ser anuladas.
Já o Código de Ética da Magistratura afirma que “o magistrado imparcial” é aquele que mantém “ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito”.