MPF pede medidas adequadas a povos indígenas do AM para evitar propagação de coronavírus

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G1

O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública, com pedido de liminar, para assegurar medidas diferenciadas e adequadas à realidade dos povos indígenas da região do Alto e Médio Rio Negro, no Amazonas.

As medidas devem se aplicar na implantação do auxílio emergencial e na destinação de cestas básicas em caráter de urgência a esses grupos, além de outras providências que contribuam para a permanência dos indígenas nas aldeias como forma de evitar a transmissão do novo coronavírus.

O Amazonas tem mais de 100 índios infectados, de acordo com balanço da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).

A prorrogação do prazo para saque do auxílio emergencial é uma das medidas indicadas na ação, com a possibilidade de sacar o recurso enquanto durar a pandemia ou pelo prazo de seis meses. Atualmente, se o benefício não for retirado pelo beneficiário em 90 dias, os valores são restituídos ao governo federal, o que faz com que os indígenas se desloquem das aldeias para a sede dos municípios, descumprindo as orientações de isolamento social e se expondo ao risco de contrair a Covid-19, segundo o MPF.

O MPF pede ainda que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) prorrogue também o prazo para saque de benefícios previdenciários, especialmente salário maternidade e pensão por morte, por mais 90 dias além do prazo já previsto.

Outra medida é a adequação do aplicativo destinado ao acesso ao auxílio emergencial, “Caixa Tem”, para possibilitar cadastro e acesso ao auxílio exclusivamente via internet, pelo site ou aplicativo, sem necessidade de confirmação por SMS ou meio telefônico, considerando que parte das comunidades possuem o acesso à internet – em escolas por videoconferência, postos de saúde ou do Exército – mas não possuem sinal de telefonia.

Em São Gabriel da Cachoeira, 852 km de distância de Manaus, centenas de indígenas se deslocam das aldeias e se aglomeram diariamente na única lotérica existente no município. Muitos indígenas têm comparecido ao local para tentar realizar o cadastro do aplicativo CAIXA TEM da Caixa Econômica ou apenas para consultar saldo, o que gera tumulto e aglomeração desnecessária no local, pois somente deve comparecer a lotérica quem já está de posse da senha que o aplicativo gerou para retirada do dinheiro, segundo o MPF.

Para evitar a ida dos indígenas às cidades, o MPF também indica na ação civil pública a adoção de medidas alternativas para o pagamento do auxílio emergencial, como a instalação de estrutura de pagamento em escolas ou pelotões de fronteira do Exército ou ainda a utilização de aplicativos que possibilitem o acesso ao benefício mesmo sem conta bancária – a exemplo da iniciativa Fintech Trocados “Coronavoucher”.

A destinação dos recursos daqueles que desejarem a uma conta específica, por meio de fundo específico ou por transferência direta a instituição pública ou associação indígena, com acompanhamento dos órgãos de controle e da Funai e prestação de contas periódica, além da adoção de procurações simplificadas para recebimento do auxílio emergencial também são medidas indicadas pelo MPF para diminuir a ida dos indígenas aos centros urbanos.

Na ação civil pública, o MPF destaca que os riscos de contaminação pela covid-19 são catastróficos para os povos indígenas, incluindo aqueles de recente contato, com pouca imunidade para doenças respiratórias.

“Tudo isso com o incentivo da propagação da doença pelo próprio Poder Público por meio de políticas equivocadas e não adaptadas ao contexto indígena, denunciadas há, pelo menos, cinco anos por eles e pelo MPF”, afirmam os procuradores da República, em trecho do documento.

A ação tramita na 3ª Vara Federal no Amazonas, sob o número 1007677-04.2020.4.01.3200.

Segurança alimentar e informação
A ação civil pública apresentada pelo MPF à Justiça Federal inclui ainda pedido para efetivação da distribuição de alimentos nas aldeias em até cinco dias, com atenção especial às localidades de difícil acesso e apoio logístico do Exército.

Caso os pedidos do MPF na ação sejam aceitos pela Justiça, o Ministério da Cidadania deve divulgar material informativo sobre o auxílio emergencial voltado para indígenas e povos tradicionais, especialmente os que residem em locais distantes dos centros urbanos ou de difícil acesso.

O material deve contar com orientações sobre os principais obstáculos que essas famílias podem enfrentar para acessar o benefício, seguindo a recomendação de isolamento ou distanciamento social para evitar a contaminação de indivíduos e comunidades pelo novo coronavírus.

Ainda conforme o MPF, o material informativo também deve conter informações sobre os meios alternativos de acesso aos benefícios e auxílio emergencial a partir das próprias aldeias e comunidades, a desnecessidade de deslocar-se à cidade e o cronograma de entrega das cestas básicas em cada região ou território indígena.

Realidade sociocultural
Há cerca de três semanas, o MPF expediu recomendação para adequar as medidas em questão à realidade sociocultural dos povos indígenas do Alto e Médio Rio Negro. As medidas foram debatidas com diversos especialistas no tema, pesquisadores, movimento indígena e entidades indigenistas.

O documento foi encaminhado a diversos órgãos, entre eles o Ministério da Cidadania, a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Exército e o INSS. Apesar da urgência das medidas, os órgãos apresentaram respostas pouco concretas que indicam o não acatamento da recomendação, o que levou à apresentação da ação civil pública.

Indígenas vítimas do novo coronavírus
O primeiro caso de coronavírus em índio foi registrado no Amazonas, em uma jovem de 20 anos que atua como agente de saúde no Distrito Sanitário Especial Indígena. Ela contraiu o vírus de um médico e acabou contaminando sua mãe, filha e vizinho. Depois de passar 14 dias em isolamento domiciliar na aldeia São José, município de Santo Antônio do Içá, 879 Km distante de Manaus, ela deixou de apresentar os sintomas da doença e é considerada fora do período de transmissão.

No dia 9 de abril, o governo identificou a primeira morte de índio no estado. Um Kokama de 44 anos, sem histórico algum de comorbidade. Dois dias depois, foi confirmada a segunda morte: um índio de 78 anos. Todos moradores da região do Alto Solimões, no Sudoeste do Amazonas.

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