Notícias ao Minuto
Quem via, antes da pandemia, as cenas divertidas do motoboy Catatau e sua queda pela ambiciosa secretária Renatinha (Juliana Alves), em “Salve-se Quem Puder” (Globo), não sabe que por trás da alegria do personagem há uma carga dramática enfrentada pelo ator carioca, Bernardo de Assis, 25.
Assis diz que não vê nem fala com eles devido a preconceito familiar. “Quando vamos falar de pessoas trans, a realidade mais dura e comum é a que elas são expulsas de seus lares. Comigo não foi diferente. É complicado, porque quando vivemos nessa sociedade com preconceitos é difícil bater no peito e falar que somos o que somos. Há pais e mães que não aceitam seus filhos.”
Hoje em dia, o ator é dos destaques de uma novela em rede nacional, a sua primeira, já que até então estava mais acostumado às peças de teatro que ao audiovisual. Assis não faz ideia do sentimento que seus pais podem ter ao vê-lo fazer sucesso na TV. Por ter sofrido na pele a discriminação, ele também não faz mais questão de procurar fazer as pazes agora.
“Quando sai da casa dos meus pais, eu comecei a encontrar amigos e a formar novas famílias. Sendo sincero, minha cabeça mudou em cinco anos. A gente tenta evoluir e ser alguém melhor. Mas não sei o que eles pensam. Só espero que estejam bem e felizes. E se essa distância faz bem a eles, não posso fazer nada. Sabemos que talvez a distância seja melhor.”
Atualmente, Assis voltou a ter contato com a irmã. Ele também recebe o apoio de um tio e de uma tia. No mais, quem faz parte de sua vida são amigos e irmãos de causa, de luta pela igualdade. Aos 19 anos, Bernardo de Assis foi convidado para participar de uma peça de nome “Bird”, na qual representava um trans. Foi naquele momento que a ficha caiu e que, diz ele, todas as peças de seu quebra-cabeça se juntaram.
Toda a angústia que ele sentia e não sabia bem o motivo fizeram sentido desde então. Naquele momento, ele diz, não dava mais para reprimir quem ele realmente era. Anos depois, ele começou a atuar mais, com projetos em séries no Canal Brasil e na HBO, até ser chamado pela TV Globo.
“Faço teatro desde os seis anos. Quando eu iniciei minha transição, eu sentia resistência das artes cênicas. Diziam que eu não era homem suficiente para fazer um papel masculino e não era mulher o suficiente para um papel feminino”, relembra.
Feliz consigo mesmo e com seu corpo -o ator retirou os seios em uma cirurgia-, ele conta que hoje pode amar quem ele é por completo. E seu orgulhos agora é ser exemplo e receber mensagens não só de pessoas trans que se dizem identificadas com ele, mas de pais e mães que querem se orientar a respeito da identificação de gênero dos próprios filhos.
“Estamos devagar ocupando nosso espaço, mostrando nossa resistência e identidade. Fico imaginando ver um dia adolescente acompanhando trans na TV. Se tivesse tido contato com artistas trans na infância, com professores trans, talvez eu não tivesse sofrido tanto”, diz Assis.
‘QUERO SER UM EXEMPLO NA TV’
Bernardo de Assis retomou as gravações da novela “Salve-se Quem Puder”, nesta semana, nos Estúdios Globo, no Rio de Janeiro, seguindo todos os protocolos de segurança. De acordo com Assis, sua grande vontade é destacar ainda mais e continuar no canal após o fim da trama de Daniel Ortiz.
“Faço o primeiro personagem de homem trans feito por um homem trans e é legal porque esse tema é abordado num contexto leve e romântico de novela das sete. Nessa volta, a história de Catatau será contada de forma melhor”, adianta o ator sobre aflorar a transexualidade de seu personagem.
Além da alegria de estar na “maior emissora do país”, aparecer na TV em horário nobre significa muito mais do que fama para Assis. “Quero muito poder abrir novos espaços e novas portas para pessoas trans. Quero ser um exemplo e contribuir para a luta do público LGBT. Não só nas artes como em todos os outros segmentos. É bonito estar nesse lugar.”
Assis afirma que espera num futuro próximo que os atores trans possam fazer papéis diferentes que não abordem questões de gênero e suas próprias histórias. “A nossa identidade de gênero faz parte do que somos, mas não nos resume. Temos que ver na TV artistas trans, negros, surdos interpretando papéis diferentes do que são na vida”, conclui.